"eu retribuo a dádiva do amor,
ainda que eu não saiba como expressa-la."

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O Pássaro Azul - Charles Bukowski

O poema de Charles Bukowski, O Pássaro Azul, originalmente publicado na sua antologia de 1992 The Last Night of the Earth Poems, é uma meditação sutilmente profunda sobre uma faceta da condição humana que conhecemos muito bem. A compulsão, os vícios, o resultado de uma solidão que corrói diariamente, é a isso tudo que Bukowski consegue se referir – ou melhor, trazer à tona – com o seu poema.

O pássaro azul se mostra como a pureza que buscamos preservar na gaiola, proteger um dos sentimentos mais nobres diante de um mundo corrompido. Essa beleza pura, talvez o ímpeto que move o escritor a criar, pede para se mostrar, mas não é revelado pelo poeta, o qual se encontra à mercê das ofertas ambíguas do mundo. Na hora em que se deita e está sozinho, é na companhia desse pássaro guardado em si mesmo, que o poeta parece se recompor. Pelo menos um pouco, para suportar a dor e o desespero que existe sempre no dia seguinte.


O Pássaro Azul


 há um pássaro azul em meu peito que

quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei
que ninguém o veja.

há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.

há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo,
fique aí, quer acabar
comigo?
quer foder com minha
escrita?
quer arruinar a venda dos meus livros na
Europa?

há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
eu digo, sei que você está aí,
então não fique
triste.

depois o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
com nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, e
você?

(in Textos autobiográficos, de Charles Bukowski, páginas 478/9. Tradução de Pedro Gonzaga. Porto Alegre, L&PM Editores, 2009.)


Postagem Original: Notaterapia

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Via Láctea - Soneto XIII - Olavo Bilac (por Paulo Autran)


"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

(Olavo Bilac)

Poema em Linha Reta (por Osmar Prado)

"Cena da novela "O Clone", de 2002, onde o ator Osmar Prado utiliza trechos do poema e o adapta às contestações de sua personagem, um alcoólatra que foi flagrado bebendo em seu trabalho. 
Poema em Linha Reta é a autocrítica de um homem que se confessa irresponsável, mas com profunda e solitária responsabilidade sobre sua fragilidade moral."


Poema em Linha Reta 

Nunca conheci quem tivesse levado porrada. 
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. 

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, 
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, 
Indesculpavelmente sujo. 
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, 
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, 
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, 
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, 
Que tenho sofrido enxovalhos e calado, 
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; 
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, 
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, 
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, 
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado 
Para fora da possibilidade do soco; 
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, 
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. 

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo 
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, 
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana 
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; 
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! 
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. 
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? 
Ó principes, meus irmãos, 

Arre, estou farto de semideuses! 
Onde é que há gente no mundo? 

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? 

Poderão as mulheres não os terem amado, 
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! 
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, 
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? 
Eu, que venho sido vil, literalmente vil, 
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. 
 
(Fernando Pessoa)
Um pouco mais sobre: Fernando Pessoa

Grace - Jeff Buckley


Antes de integrar o obscuro Gods and Monsters, Buckley tocou em outras bandas de jazz, rock e punk. Não chegou a gravar com o Gods e partiu para carreira-solo quando o grupo estava prestes a assinar contrato com uma gravadora. No entanto, Buckley só teve a oportunidade de lançar um solitário álbum-solo de estúdio em vida, o mitológico Grace (1994), que não foi bem-sucedido comercialmente. Viveu o dilema de não ser comercial o suficiente para tocar nas FMs nem pesado para supostamente cair no gosto do público indie. Houve quem o classificasse de ´celestial´ demais, mas o tempo fez clássicas suas interpretações para canções etéreas como Corpus Christi Carol, Lilac Wine e a insuperável versão de Hallelujah (Leonard Cohen), depois popularizada pela (também boa) gravação de Rufus Wainwright na trilha da animação Shrek. Não por acaso ambos mantêm certas semelhanças com a melancolia outonal de Nick Drake (1948-1974), que morreu de overdose. Não é à toa que Grace ganhou o atributo de único não pela condição isolada na carreira de Buckley, mas por representar uma ´gota cristalina num mar de ruído´, como disse Bono, do U2. Virou objeto de culto e também bateu fundo na sensibilidade de outros astros como Bob Dylan, Paul McCartney, Jimmy Page e o próprio Wainwright. É um dos grandes discos da década passada e ficou entre os 500 melhores de todos os tempos na lista da revista Rolling Stone. Nos três anos e meio que se seguiram, Buckley compôs várias canções que não foram finalizadas como ele queria. Chamou Tom Verlaine, do Television, para produzir o sucessor de Grace, mas não gostou do resultado. Só que não teve tempo de retrabalhar as canções, que estão num de seus álbuns póstumos Sketches for ´My Sweetheart the Drunk´ (1998). Apesar do material inacabado, ainda assim é uma boa amostra do que poderia ser. O brilho de sua música acabou ofuscado pela morte trágica, por afogamento, na marina do Rio Wolf, em Memphis (Tennessee), no dia 29 de maio de 1997. Criou-se em torno disso uma aura de ´mistério´ desmentida veementemente por sua mãe, Mary Guibert. A morte foi acidental (ele estava nadando), não teve nada que ver com drogas, álcool, suicídio ou qualquer outro combustível para um escândalo cinematográfico. Jeff conviveu pouco com seu pai, apenas por uma semana. E esse tempo foi suficiente para mexer com sua cabeça. Tim abandonou Mary logo depois que ela deu à luz e, com um histórico de infância conturbada, o filho relutou muito em cantar, por medo de comparação com o pai. Por uma daquelas incríveis coincidências, Tim também gravou pouco e virou lenda. Morreu de overdose em 1975 aos 28 anos. Quando se afogou, Jeff tinha 30.

Fonte: Texto Original

domingo, 13 de novembro de 2016

Mudar é Preciso - Charles Chaplin

"Chorar não resolve, falar pouco é uma virtude, aprender a se colocar em primeiro lugar não é egoísmo, e o que não mata com certeza fortalece. Às vezes mudar é preciso, nem tudo vai ser como você quer, a vida continua. Pra qualquer escolha se segue alguma conseqüência, vontades efêmeras não valem a pena, quem faz uma vez não faz duas necessariamente, mas quem faz dez, com certeza faz onze. Perdoar é nobre, esquecer é quase impossível. Nem todo mundo é tão legal assim, e de perto ninguém é normal. Quem te merece não te faz chorar, quem gosta cuida, o que está no passado tem motivos para não fazer parte do seu presente, não é preciso perder pra aprender a dar valor e os amigos ainda se contam nos dedos. Aos poucos você percebe o que vale a pena, o que se deve guardar pro resto da vida, e o que nunca deveria ter entrado nela. Não tem como esconder a verdade, nem tem como enterrar o passado, o tempo sempre vai ser o melhor remédio, mas seus resultados nem sempre são imediatos. Não fique preocupado, você nunca sabe quem está se apaixonando pelo seu sorriso."

(Charles Chaplin)

domingo, 6 de novembro de 2016

Herr Mannelig

Herr Mannelig (também conhecido como Herr Mannerlig) é uma balada sueca medieval que conta a história de uma troll da montanha que propõe se casar com um cavaleiro em troca de riqueza e presentes.

Segundo a lenda, uma Troll da montanha está tentando convencer Herr Mannelig a casar-se com ela. Ela oferece a ele muitos presentes mas ele se recusa a se casar com ela, pois percebe que ela não é cristã, mas uma Troll da montanha (uma criatura maligna). Ela se desespera por não conseguir casar-se com Sir Mannelig, pois casando-se com ele, ela se livraria de seu tormento (possivelmente a maldição de viver como um Troll).

Herr Mannelig (Tradução)

Numa manhã cedo, antes do sol nascer
E os pássaros cantarem sua doce canção
A troll da montanha propôs em casamento o justo cavaleiro
Ela tinha uma língua falsa e má

Senhor Mannelig, senhor Mannelig, 
não quer casar comigo
Por tudo que eu lhe darei alegremente
Responda apenas sim ou não
Você aceita ou você rejeita

Para você eu darei as doze grandes cavagalduras
Que pastam em uma caverna sombria
Nunca tiveram uma sela foi montada em suas costas
Nem uma correia em suas bocas

Presentes como esse eu aceitarei alegremente
Se você fosse uma mulher cristã
Mas eu sei que você é a pior troll da montanha
Nascido do berço de neck e do diabo

A troll da montanha saiu correndo pela porta afora
E assim ela lamentou e chorou tão alto
"E agora eu tivesse conseguido aquele lindo cavaleiro
De meu sofrimento eu estaria livre agora"

Senhor Mannelig, senhor Mannelig, 
não quer casar comigo
Por tudo que eu lhe dei alegremente
Responda apenas sim ou não
Você aceita ou você rejeita

(Garmarna - Guds spelemän - 1996)




Ubuntu: “EU SOU PORQUE NÓS SOMOS”

Ubuntu é uma palavra existente nas línguas Zulu e Xhosa, faladas na África do Sul, que exprime um conceito moral, uma filosofia, um modo de viver que se opõe ao narcisismo e ao individualismo tão comuns em nossa sociedade capitalista neoliberal.

Pode ser uma alternativa ecopolítica para uma convivência social e planetária pautada pelo altruísmo, fraternidade e colaboração entre os seres humanos.
Ubuntu significa: “Eu sou porque nós somos” ou, em outras palavras “Eu só existo porque nós existimos”.

Não apenas ser porque tu és, mas também ser por meio de ti: essa é, em resumo, a ética ubuntu, segundo Dirk Louw, psicólogo e filósofo da África do Sul. 

Por isso, afirma, “ser humano significa ser por meio de outros”, sejam estes vivos ou mortos, humanos ou não. Em um sentido mais geral, ubuntu também “significa simplesmente compaixão, calor humano, compreensão, respeito, cuidado, partilha, humanitarismo ou, em uma só palavra, amor”.

Ubuntu exprime a consciência da relação entre o indivíduo e a comunidade. É um conceito moral, uma filosofia, um modo de viver.

Segundo o espírito de ubuntu, as pessoas não devem levar vantagem pessoal em detrimento do bem-estar do grupo. Para que uma pessoa seja feliz será preciso que todas do grupo se sintam felizes. Estamos conectados uns com os outros e essa relação estende-se aos ancestrais e aos que ainda nascerão.

O ubuntu é resilientemente religioso. Para um ocidental, a máxima “Uma pessoa é uma pessoa por meio de outras pessoas” não tem conotações religiosas óbvias. Ele provavelmente a interpretará apenas como um apelo geral para tratar as outras pessoas com respeito e decência.

Na tradição africana, entretanto, essa máxima tem um sentido profundamente religioso. A pessoa que devemos nos tornar “por meio de outras pessoas” é, em última análise, um ancestral. E, da mesma forma, essas “outras pessoas” incluem os ancestrais. Os ancestrais são a família extensa. Morrer é um último voltar para casa. Por conseguinte, não só os vivos devem compartilhar e cuidar uns dos outros, mas os vivos e os mortos dependem uns dos outros.

Ubuntu traduz a essência do ser humano. Refere-se ao componente presente em todas as pessoas que as capacita, potencialmente, ao entendimento, relacionamento, colaboração. Em muitas pessoas esse potencial se manifesta naturalmente. Na maioria, com maior ou menor intensidade, precisa ser estimulado, despertado.

Postado originalmente por: Muito Além das palavras e Sentidos

sábado, 5 de novembro de 2016

O Palhaço Pagliacci



Rorschach: "Ouvi uma piada, certa vez... Um homem vai ao médico e fala que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Ele se sente só num mundo ameaçador onde o futuro é vago e incerto. O doutor diz... 'O tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade esta noite. Vá vê-lo. Levantará o seu astral.' O homem começa a chorar... e fala: 'Mas doutor... eu sou o Pagliacci'. 

Ótima piada.
Todo mundo ri.
Batem os tambores.
Caem as cortinas."


(Watchman - 2009)

Critica do site Omelete: Watcmen